O crime das rosas
águas claras me mancham os dedos.
E no lago das águas que guardam o tempo,
a marca horrorosa de um velho segredo.
Sobre os cravos, o crime das rosas.
E nós quatro de tudo sabemos .
Aposta com o Diabo
quando bate o relógio de pau.
Eis que surge um pequeno diabo
no meu quarto a tocar marimbau.
Dança e gira a pequena figura,
faz injúria às lascivas paredes,
bate o pé, nos meus móveis batuca,
com o rabo me arranha o corpete.
Se pergunto ao pequeno vermelho
quem será esta sombra perdida?
Com malícia faz pose no espelho,
me convida a pensar minha vida
Ó noites mal dormidas!
amores mal resolvidos,
amizades mal discutidas,
me cochicha o diabo aos ouvidos.
E mais perto sussurra à malícia:
- Esqueça a vida sugiro uma aposta,
ser capaz de gozar das delícias
de um jeitinho que o diabo gosta.
Expiação
E este verso expia um tropeço,
Desta música leve, assobia,
Uma vida que já não mereço.
Se te confesso apraz um tormento,
Esta letra liberta o meu coração,
De um pecado atroz, traz o vento,
Como leve embalo da tua canção.
Como tem sorte o teu momento!
Quisera congelar-te a alma azul.
Por isso que jogo o laço no tempo
A espera de um olhar em comum.
Os pensamentos roubam os dias,
Projetam o divino encanto que És
Num turbilhão de idéias vadias
Como a vibrante bateria do Jazz.
Então a aurora apressa minha partida.
Não há mais porque estar aqui parada.
Quero um único compromisso na vida:
A rima, mais nada.
Pequenino amor
Para num papel desenhar-te um versinho,
Neste instante que me encontro aqui sozinho.
-
Não te espantes se não for tão bonitinho,
E nem de doce que é feito teu jeitinho.
-
Dou-te com amor o meu versinho
Que componho a reclamar tua atenção,
Dessa sorte que só quero um pouquinho
Venha a mim aliviar meu coração.
-
Nada tenho nesta vida para te dar,
Nem de lua é feito meu caminho.
Minha vida deve o amor que aqui pago,
Com afago
Que te pago com beijinhos.
Estatuaria
O vento esculpiu minha alma,
Os pingos levaram as lascas,
A chuva lavou o que sobrou
E o sol os contornos limou.
Alma velha
Canta a velha negra
As tristezas de uma vida.
-
É a negra da minha alma,
É a velha da minha vida,
Minha vida velha,
Minha alma negra.
O espírito da noite.
Das ruas perdidas,
Vagabundos vazios
comemoram as perdas.
Pois que todo vagabundo
é perdido por excelência.
No estalar dos sapatos
Nas calçadas imundas
Tua alma festeira cintila
E mente.
E a par dos acordes,
Nas bainhas dos bares,
Ouço risos sonoros
Disfarçados de embriaguez.
Canta a gaitinha harmônica.
Dois é par.
Que um verso tenha dois poetas
E uma música dois autores?
E que então a vida só se completa
Quando vives dois amores?
-
Não te parece simples
Que tudo tenha ao menos dois lados?
Que nada é igual
Mas que tudo se completa?
-
E se de alguma maneira
O amor te escapa,
Não te esqueças que
O indivisível é duplo
Porque nem o Nada
pode existir sozinho.
Piton
Vou contar-te minhas aflições.
Ando perdida nas noites e lugares,
Longe de quaisquer conciliações.
-
Vivo num ambiente abafado,
Com cheiro de cigarros velhos.
Vendo meu corpo mal tratado
Aos que a mim parecem apenas ecos.
-
O corpo sofre no paraíso,
A mente regozija no inferno.
Imagino-me ardendo e caindo
No meio de um sofrimento eterno.
-
Nas malícias da vida fui fundo,
Vendida para o que não sabia.
Impedia de sair deste mundo,
Que nem Dante compreenderia.
-
Se pudesse pedir-te um desejo,
Pediria uma vida vazia.
Quisera cuspir meu veneno,
Escarrar sobre a terra vadia.
-
Hoje sofro sozinha e calada.
Dia-dia o nojo me inunda.
Sobre os bancos da vida sentada
Submersa na vida imunda.
O ar do mar
De pé sobre as pedras,
Como um farol radiante,
Uma mulher de mármore
Espera por seu amante.
-
Os olhos fixos no mar.
Há apenas dois sons no ar:
Ondas batem nas pedras
E gaivotas se convidam a dançar.
-
Da mesma forma
Seu coração a convida a esperar.
Na esperança de que o amante
Não vá se demorar.
-
Se o cabelo bate ás costas
É porque já começa a ventar.
Se o coração lhe aperta
É porque o tempo começa contar.
-
O tambor soa e a flauta toca.
Vem a escuridão,
Mas o amante não.
-
Então os olhos se fecham
Os punhos seram.
E sob o doce som do mar.
Ela deixa sua alma voar.
-
Voa com as gaivotas
Sob o céu que não é azul.
Voa, voa para lugar nenhum.
E deixa o vento lhe guiar.
-
Plana leve sobre o mar.
Mas quando se dá conta,
Ainda está parada no mesmo lugar.
-
A alma gela
E o coração pára
Mas ela continua a esperar,
Na esperança inútil
De que um dia
Ele venha lhe buscar.
Este que ao lado do corpo
segura firme lança e escudo.
Que para conquistar Babilônia
não destrói ninhos nem muros.
Este Homem que ataca defende.
Com o olhar firme adiante,
não subestima a si nem o oponente.
Quem é Este Homem?
Que se mantém pensando,
Que estuda o inimigo e o compreende.
O Homem que escolhe o campo de guerra.
Que estuda o tempo, preserva a memória.
Que é sensato, não erra,
tão pouco subestima a História.
Este homem como parece até qui
Não é Alexandre.
Este homem é a Cura de Deus
E Babilônia sou Eu.
A Bailarina
pequena bailarina
que dança e me encanta
sem ter medo de errar.
Tu não temes teu tablado.
Eu que te observo aqui sozinho e calado,
vejo majestosa pretensão
desenhar-se em teu solado.
Delicada alma branca.
Se desafias o ar
com graciosos pulinhos dança,
assim me pareces flutuar.
Sentimento infanto-juvenil
É porque quero destilar as mágoas do meu coração.
Se ele pesa
É porque cada mágoa representa uma pedra.
Se não te esqueci
Não é porque ainda gosto de ti
Agora quero ser egoísta
Perdoa os meus erros
Que eu perdôo os teus
E deixa tudo por isso mesmo.
Aquele que prefere cegar-se
entre as linhas do trem
verás, à altura do horizonte,
ambas se tocarem.
É uma grandessíssima ilusão.
Tais linhas ao longo do caminho
Jamais se tocarão.
Os olhos as vezes mentem.
Mostraram aquilo que não é razão
e enganam a gente.
Noite
espio entre a janela
uma lagoa negra como a noite.
Reflete o céu,
talvez o meu coração.
Tenho a alma cinza
como as nuvens de chuva
e toda vez que me entristeço
Chove.
Não grito mais.
Agora deixo a melodia soar os ouvidos
e fazer doer as chagas do meu coração.
O silêncio soa
um barulhinho tranqüilo;
como o das pombas sobre o telhado,
como o das ondas que batem nas pedras
ou como o do meu coração velho e empoeirado.
Negra
De melodia
Embala este mundo
Co'a tua alegria.
África minha
Berço do mundo
Manda de volta
O espírito uno.
Onda sonora
Colore essa terra
Já sem demora
Traz paz a esta guerra.
O Blues, o Batuque,
o Rock e o jazz
assim vai tocando
o tambor como quer.
E todos dançando,
sambando
e cantando.
A esta etnia seguir
Festejando.
Ciúmes
que homens e mulheres vestem.
É duro, pesado
E deixa a visão torta.
Walking Around II
"acontece que me canso...".
Me canso de ser Mulher,
das butiques e sapatarias,
das banalidades que se quer,
das repartições dos escritórios,
dos cochichos e falatórios.
Acontece que me canso das rotinas
Nos salões de cabelo.
E das exigências da beleza,
de fingir paciência e delicadeza.
Lindo seria:
"matar uma freira com um soco na orelha".
Sair pela rua descalça,
Ou só usar chapéu.
Mas me canso,
das competições
femininas e irracionais,
senão mais mesquinhas.
Oração do cotidiano
Se tu existes, Deus,
ouve a minha prece.
Dá-me paciência
Diante dos vorazes competidores do mundo.
Sapiência para distinguir as intenções alheias.
Permita que eu mantenha o equilíbrio,
e não deixe que eu me corrompa.
Ajuda-me a desfazer os mal entendidos
com a força do diálogo.
Acalma o coração dos meus inimigos
para que eu possa manter a sobriedade.
Zela por aqueles que me compreendem
e caminham comigo.
E não deixes jamais que eu me iluda sobre mim mesma
E minhas boas intenções.
Ó Deus,
Tu podes me castigar se quiser.
Mas para viver neste mundo
Não se pode ter boa fé.
Etnia: Humano
todas as raças do mundo.
Carrego gomigo,
não é difícil de ver.
Carrego comigo, juro,
bem lá no fundo,
todos os olhos,
todas as faces
e toda vontade que agora decidi escrever.
Sol de Inverno
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