Cantiga da moda

O belo foi à feira
Buscar nariz de pau,
Tão torta era a abeira
Que ao belo fazia mal.

Achava o nariz cheio,
Queria pra completar
No rosto sisudo e feio
Um talo pra sossegar.

A todos mostrava tudo,
Que já não era o mesmo:
Um belo dum narigudo
C’um tronco que dava um remo.

As moças se reclamavam,
Mas não do seu nariz.
É que era um arrogante
Somado ao chafariz.

Um belo de um isibido,
Com ares de carrancudo;
Aos rasos era querido
Nem tanto aos mais profundos.

E nada fazia dele
Melhor do que queria.
Se era por dentro feio
Foi mais do que devia...

A chuva azul

Chove
Como quem chora a chuva
No mais profundo rio vazio,
Como quem ora à hora
Da chuva azul sentindo frio.

E se na reza acha
A paz na alma que acalma,
Mas chora e mais reza
Para que esta chuva
Leve embora o que ainda resta.

Correnteza

Como pode esse desejo
Arder no peito tanto
Se não há de igual
Tão forte anseio
Que acalme a viva alma
Deste mar em pranto?

Como pode a luz da lua
Teu fino rosto transformar,
Pintar teus olhos de vontade,
O peito alvo revelar;
Se quando vem o dia
Já não és meu mesmo par?

Pois ouça o canto das marés,
O fio forte, correnteza.

E se um dia o forte abalo
Destas ondas vier te inundar,
Saibas que deste lugar
Não serei mais estado.
Já me terei levado,
Pois sempre fui aquela
Que das ondas se deixou levar.

Ecos sempre frios

Soa o bruto dos cimentos
De um castelo que ruiu.
São fantasmas barulhentos
Que não dormem
Se não dorme junto deles
A lembrança de um certo mês de abril.

Toda vez que vem o frio
Traz consigo a dor ausente,
Vem cantando bem mais próximo
O que sente,
Cortante e fino, feito um assobio.
Parte o peito mas não parte.

São ruídos bem satíricos
Que insistem em me tocar.
Vêm dançando sobre as folhas
Provocando o ar sutil,
Levantando com os mortos,
Congelando até meus ossos.

E como as sombras poderosas,
Vão refugiar-se na escuridão
Do inverno com a fina bruma,
Ato final dessa amargura.
E vivo presa à ruína pedregosa,
Ecos de um tempo que não cura.

O Canto Liberto

Não tarda o triste povo
A dar seu grito em liberdade.
Virá das ruas, das cidades,
E dos pulmões em pleno sopro.

Pois tão cruel tem sido
O trato dado a esta gente,
Que mais se dá e muito sente
A viva voz do despotismo.

Contra toda a tirania governante
Que oprime a humanidade,
Que se esconde da verdade,
Virá do povo, apraz, a mão cortante.

Porque já é hora de saber mais
E ver o rosto do poder que já ruiu.
Pois se um dia um déspota caiu,
Há de cair outros mais.

Quem sou eu

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Sou o verbo: o estado, o tempo e a ação contínua.

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