A day in the life

Águas fluídas....vento a todo pano...
E o pensamento passa como passa o gato.
Cinzento, pacato e manso.
A cama nadando na imensa escuridão do quarto.
Ouço passos...um TIC...um TAC...um rato!

A união tênue entre o teto e o rejunte da parede
Revela mais que a frase bem estruturada:
E o argumento aqui não me vale nada!
Um poeta esquecido me sussurra ao pé d’ouvido:
Que a vida vai curta... num rio de sêmem verde...

Esta noite sou o próprio Coração Selvagem
Mas sem coragem pra “mais nada”.
Assim que terminava seus sonetos;
Sem vigor, sem pele, só língua cansada.
Contando as sílabas, envergando a própria imagem.

Paralelismos: quanta bobagem!
Vinde a mim os meus poetas
Que é deles o reino oco da cabeça vazia.
A virada faz a música progressiva;
Só sei da noite vazia...redundantemente o nada.

Tuas vírgulas, minha solidez

Amores de infância... filho da minha juventude,

Meu amigo, meu irmão: parte do meu coração.
Guardo em ti a mocidade tensa,
Os dias do meu eterno regresso à tua mente perversa.
Tuas vírgulas, minha solidez guerrida e cáustica...
De meia volta, volta e meia volta na vida que não presta
E passa...
Fundida meia, cossa em ferro: Maleabilidade plástica.
Sou a Cria torpe e densa da tua imagem gasta,
Tua Literatura negra e fantástica!

Nunca mais

Nunca mais um abraço,
Nunca mais um sorriso,
Uma mão, um olhar.
Nunca mais a nascente lágrima
Que escorre em meu rosto
Sujo e roto de tanto chorar.

À Marília de Cecília


Marília tinha um lenço...
Umedecido de lágrimas perdidas,
Apertado com força entre a palma e os dedos,
Estancava o azul de uma veia partida.

Sentada de costas à porta,
Marília zangada e chorosa esperava visita.
E sabia que o dia sangrava cansado,
E sabia que à noite o amor não viria.

Entre as rosas e as linhas bordadas,
Sossegava Marília mentindo,
Que no seu coração se acalmava
Uma força sem mal nem medida.

A luz solar na praia refletida

Faz tempo, um dia eu vi,
num destes arrabaldes de solar,
mundialmente conhecido como mar,
a luz de foz traçada clara sobre um vidro.

Meu Deus!
Não sou atéia, mas duvido,
que nesta terra úmida de limo
a areia branca possa ao por do sol iluminar.

Um concerto de luar, azul azul de enfeitiçar
um olho negro, um céu vermelho,
o paradoxo solar no espelho,
e minha voz emudecida pela voz do mar.

Me contem outra história
caduca de palavras repetidas,
porque não há visão melhor pra se lembrar
do que a luz amortecida deste mar
guardada pelo vão do sol na minha retina.

O Coringa, um pervertido

Um pervertido
que troca de caneta, de gosto, de rosto,
na mais satisfatória vontade de definir as coisas da vida.

É pervertido,
não perverso, nem travestido.
Não!

Antes bem mais um príncipe abastado,
rico de palavra, cujo universo somente pode existir
mediante ao exercício constante da arte de polir a metáfora.

Um pervertedor, um adjetivador,
biruta, pirado, sem compromisso
com a lógica razão lógica.

O curinga nada mais é
do que o arlequim magricela do folclore veneziano
que rouba demasiadas vezes a mulher do Pierrô.

Eis o poeta.

Nunca puro, nunca casto.
Não contêm a sua natureza
nada que remeta a qualquer ideal castratório.

Não é, porém, marginal num sentido criminoso.
Está mais para um vadio, um vagabundo luxurioso
que perverte os outros à sua prática ilusória da Poesia.

Sussurros

A poesia é algo de viceral,
doente!
Qualquer coisa quente
que se escapa quanto também escapam
os sentidos da razão irreal,
Irreal,
tosca,
Doente!

Sobre desejos

Os dias sucedem aos dias
E os homens, aos homens.
Cada geração põe a ferro
Todas as provações humanas.


É como se todos os desejos
Se repetissem infinitamente
Em cada novo choro de criança.

Dedico o verso

Te dedico este verso
De palavras tão pardas,
Corações tão frágeis
E melodia quebrada.

Queria que o som
Que voasse do nada
Me viesse, sonora,
A cantar tua história.

Sei da tua morada,
No meu seio e de cada
Sensação entoada
Em teu tom, direção.

Por favor não me mate,
Nem me cure tão forte
Pois eu quero viver
Deste som que me falta.

Hoje só sei que me bate
Num vagar sem a causa
Um sonar que não pausa
E que grita o teu nome.

A febre d'outono

Minha doença é dos olhos
E eu já não tenho pouca febre.

Minha esperança é intensa
E minhas preces, todas leves.

Adoeço nestes dias tão tensos
Como não eram noutras épocas.

E minhas angústias no lenço
Me levam sempre aonde querem.

Admiro os que não cismam,
Os que não olham somente com os olhos,

Os que não matam, não mentem,
Nem cultivam memórias tão breves.

Minha doença é dos olhos:
Quanto mais me vejo, mais adoeço,

E os fios do laço que guardam o tempo
Conservam de todo o calor da febre.

Quem sou eu

Minha foto
Sou o verbo: o estado, o tempo e a ação contínua.

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