Conta gotas

Vêm-me,
Vez em quando,
Na cabeça idéias loucas.
Vão pingando dose em dose
Como faz um conta gotas.
Já matei até algumas
Mas pingaram muitas outras.
O que será de mim agora
Que aos poucos perco as contas?

Gripe

Minha gripe tem Estado,
Tem política
E cidadania.

Tem dois nomes,
Sobrenomes
E quem sabe, uma etnia.

Só não tem uma vacina,
Não tem preço
Ou meia vida.

Que me adianta protestar
Se morrem mais
A cada dia?

Entalho velho

No meu quarto de dormir
Tem parede e entalho velho.
O meu quarto já foi quarto,
Foi masmorra,
Foi alcova
E cemitério.

Na parede um crucifixo,
Sobre a cama, entalho velho.
No meu quarto tive ratos,
Paladinos e insensatos,
Só não tive foi critério.

Neste quarto dos meus atos
Plantei verso, colhi choro,
Mas com riso muito pouco.
Foi lugar da amizade
Ou refúgio da saudade
E sempre ali, o entalho velho.

O acordo

Meia noite sossegada
Vejo o prado ruazinha.
Passa ao longo o fino vento
Que me leva o pensamento,
E faz gelar até a espinha.

Meia noite encruzilhada
Me pergunto quem caminha.
Vem a voz do firmamento
Vem com sopro grave e seco,
Faz gelar até a espinha.

– Quem és tu?
­– Sou o preto Principá,
Vim das bandas do Oeste
E teus sonhos vão comigo,
Vão comigo eu vim levar.

– Vais levar baú vazio,
Que a muito deixará,
Tão pesado que se preste,
Que se preste a te enganar.

– Vens contar história velha
Para alguém que faz trabalho
A arte antiga de enganar?
Te sugiro então trocar.

– Trocarei então contigo.
Quero um Dom, meu velho amigo.
Quero o dom de me expressar
Para nas dobras deste tempo
Minha letra aqui deixar.

– Feito!
Levo então aqui comigo
Da medula ao pensamento,
Levo a alma e deixo o corpo
Que é pra ti ficar com o sopro
Da inspiração por dentro.

Fábio

O céu amanheceu escurecido,
Cinza como a tristeza
Que a partir de então
Já não me sai mais da cabeça.

Do meu sangue não tive irmão,
A vida negou.
Mas tu , querido amigo,
Foi muito mais do que um amigo
Foi muito próximo de um irmão.

E se eu pudesse te contar
Porque ja não te esqueço...
Acontece que agradeço
Tuas piadas engraçadas
Tua lealdade e amizade,
E muito mais do que mereço.

Não, eu não tive irmãos!
Tive muito mais do que esperava:
Tive um amigo,
Que dessa vida se foi
Mas vai estar sempre comigo.

Sobre os olhos negros

Nem se eu violentasse a palavra
Para extrair dela tudo o que pode dizer,
Conseguiria assim descrever
As coisas que por trás destes olhos
Tu guardas...



Um Deus de dois...

De dois em dois se fez ambivalência
E tudo em dois precisa a encarnação.
Se em duas faces mostra onisciência
Oposto é sempre tudo em suas mãos
E em nada é só a conciência.

De dois em dois divide a excelência
Pois em dois se equilibra a boa ação.
Somente em dois se dá a asa a sapiência
E entre dois divide em meia essência
Para juntar depois em Criação.

Quem sou eu

Minha foto
Sou o verbo: o estado, o tempo e a ação contínua.

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