A luz solar na praia refletida

Faz tempo, um dia eu vi,
num destes arrabaldes de solar,
mundialmente conhecido como mar,
a luz de foz traçada clara sobre um vidro.

Meu Deus!
Não sou atéia, mas duvido,
que nesta terra úmida de limo
a areia branca possa ao por do sol iluminar.

Um concerto de luar, azul azul de enfeitiçar
um olho negro, um céu vermelho,
o paradoxo solar no espelho,
e minha voz emudecida pela voz do mar.

Me contem outra história
caduca de palavras repetidas,
porque não há visão melhor pra se lembrar
do que a luz amortecida deste mar
guardada pelo vão do sol na minha retina.

O Coringa, um pervertido

Um pervertido
que troca de caneta, de gosto, de rosto,
na mais satisfatória vontade de definir as coisas da vida.

É pervertido,
não perverso, nem travestido.
Não!

Antes bem mais um príncipe abastado,
rico de palavra, cujo universo somente pode existir
mediante ao exercício constante da arte de polir a metáfora.

Um pervertedor, um adjetivador,
biruta, pirado, sem compromisso
com a lógica razão lógica.

O curinga nada mais é
do que o arlequim magricela do folclore veneziano
que rouba demasiadas vezes a mulher do Pierrô.

Eis o poeta.

Nunca puro, nunca casto.
Não contêm a sua natureza
nada que remeta a qualquer ideal castratório.

Não é, porém, marginal num sentido criminoso.
Está mais para um vadio, um vagabundo luxurioso
que perverte os outros à sua prática ilusória da Poesia.

Sussurros

A poesia é algo de viceral,
doente!
Qualquer coisa quente
que se escapa quanto também escapam
os sentidos da razão irreal,
Irreal,
tosca,
Doente!

Sobre desejos

Os dias sucedem aos dias
E os homens, aos homens.
Cada geração põe a ferro
Todas as provações humanas.


É como se todos os desejos
Se repetissem infinitamente
Em cada novo choro de criança.

Dedico o verso

Te dedico este verso
De palavras tão pardas,
Corações tão frágeis
E melodia quebrada.

Queria que o som
Que voasse do nada
Me viesse, sonora,
A cantar tua história.

Sei da tua morada,
No meu seio e de cada
Sensação entoada
Em teu tom, direção.

Por favor não me mate,
Nem me cure tão forte
Pois eu quero viver
Deste som que me falta.

Hoje só sei que me bate
Num vagar sem a causa
Um sonar que não pausa
E que grita o teu nome.

A febre d'outono

Minha doença é dos olhos
E eu já não tenho pouca febre.

Minha esperança é intensa
E minhas preces, todas leves.

Adoeço nestes dias tão tensos
Como não eram noutras épocas.

E minhas angústias no lenço
Me levam sempre aonde querem.

Admiro os que não cismam,
Os que não olham somente com os olhos,

Os que não matam, não mentem,
Nem cultivam memórias tão breves.

Minha doença é dos olhos:
Quanto mais me vejo, mais adoeço,

E os fios do laço que guardam o tempo
Conservam de todo o calor da febre.

O porto

O porto não vai a lugar algum,
Morre nas partidas,
Vive das chegadas
E vem das ondas sustentadas
Ofertar a terra forte que se pisa.

Meu porto é corpo ostentado,
Lugar de sorte vã e de magia
Que nas curvas mais inesperadas
Vêm parar as tristes horas
Que me fazem companhia.

Morto o lenço fraco,
Sacudido com tristeza na partida
Fica o frio no porto e o laço
Que forçosamente parto
Pra na volta não manter a chama viva.

Bicho grilo

Não se enganem comigo,
Sou largada feito um bicho grilo.

Não obedeço à regras nem consensos,
Por vezes esqueço-me o que penso
E não volto nunca atrás do que consigo.

Minha vida corre sempre muito alheia,
Às vezes perco o timbre, perco a meia.

Sabe lá, calcinha ou meia!

Mas não sou além do mais
Maior que as coisas que cativo.

Prudência

Minha sorte é peregrina
Como a folha que caminha sem andar.
Ou passa em voltas feito ventania
Que em meia volta mostra a cara
Para me lembrar...

Que é mais fria a mesa
Quanto mais se espera para sentar,
Que é mais fresco o vinho se bebido
Em tempo de engarrafar.
E que prudência é qualidade
Que por vezes faz atrapalhar.

O farol


Olhai, comei, bebei!

Junto a tudo o que edifiquei

Veio a sorte má e derrubou.

De tudo, o nada em troca me deixou

E só, com a vida aqui fiquei.

Quem sou eu

Minha foto
Sou o verbo: o estado, o tempo e a ação contínua.

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