Águas e ventos

Solta o ar
Que o corpo aquece.
Quanto mais se solta,
Mais se perde aquilo que entorpece.

Vem do mar
O gosto que com sal parece.
Quanto mais se gosta,
Mais a boca se enfeaquece.

Sopra um hálito
Do vento que o amor padece.
Se não vem com ele quem acalma,
Já não sabe bem se alguém merece.

Pois aquele que das aguás,
Tem o ar que o mar carece,
Traz consigo a bela alma
E entre os mais desaparece.

Velha espada

Ainda de bainha fria e cabo quente,
Arde a lâmina inflamada
Sobre as velhas fardas fluorescentes
Dos fantasmas que lutaram noutro dia
Sem motivos e remanescentes.

Vem contigo um véu constante,
Velha espada,
Uma lembrança embaraçada,
Uma elegia, um velho campo de batalha
E a voz de um deus de guerra descontente.

Teu fino fio cortante ameaça o tempo
Que aqui meu peito aflora:
Se não cumprisses teu destino antes,
Velha espada,
Que seja feito então agora.

Pois já cansei de batalhar na fina chuva.
Hoje é com peito nu que te deparas,
Velha espada.
Teu nó meu aço velho encurva
E voltas para poderoso nada.

O gosto desgosto

Eu me chamo desgosto
E corri o mundo como um sopro.
Calei gargantas e marquei rostos,
Feri alguns e matei outros.

Sou o filho da desilusão,
Do orgulho primo-irmão.
Pai de todas as moléstias, mágoas
e angústias mal curadas.

Trago o poder irresistível da dor.
Sou conselheiro da vida,
Enfermeiro de toda ferida
E de todas as Fúrias, Senhor.

Àqueles que me apetecem,
Deixo um canto de dedicação,
Uma luz e uma estrada a seguir,
Um caminho, uma única mão.

Mar da vida é solidão.

Sob o mapa tortuoso as estrelas
Vai meu barco pela bruma imensidão.
Vou colhendo calmamente minhas preces,
Acolhendo o que me traz inspiração.

Pelas águas deste mar que vai os anos
Uma paz silenciosa me entorpece.
Não deixei pelo caminho minhas lutas,
Só as guardei para contar a quem merece.

Vou guiando para fugir do que é constante
Sob a lua temerosa que me espia,
E deixa um rastro e luz forte que me guia
Sobre as águas deste mar e solidão.



Poetisa

à Juliana Castro

Cada vez que venho,
Cada vez que volto,
Mais me perco, mais me solto
Nessa tua imensidão de palavras doidas,
Mas que gosto.

O regresso

Se me fosse dito antes
que à primeira luz do dia tu virias,
não esperaria a noite
nem dormia.

Se me fosse dado certo
um escrito à rigor do teu regresso,
guardaria as finas folhas
do jornal que estava impresso.

Me deram nada de nada:
da tua vida a partida,
de minha um esquecimento.
Sobra-me apenas o tempo,
um lamento.

E eu não sabia,
juro que não sabia,
dos amores que levavas
nem as dores que trazias.

Sobre amor

Amor, amor atroz,
amor, amor que faz,
minha vida, minha voz
despedaça o amor em nós.

II

a Rafael Orcelli



Se me deres o sol
te devolvo o calor.
Se me deres a lua,
do meu beijo, o sabor.
Que posso querer mais de ti
do que ser toda tua?

Não ouçam poetas!

Não vivam à mercê dessas inpirações.
Não vivam esperando migalhas
De fogos e lascas ou pequenas paixões;
Pois que a Inspiração é musa ingrata
E abanona facilmente a quem bem lhe trata.

Ode ao tempo

Não me perguntes hoje
Que nada tenho a dizer.
Sou do ontem,
Do tempo em que o mundo
Bastava-se em ser.

Do
tempo em que o vento
Cantando soprava amizade,
Da terra brotava alegria,
As águas traziam saudade,
O poeta, o coração que ardia.

Nego o hoje não é por capricho,
Muito mais é por humanidade.
Deste tempo não quero resquício,
Quero o canto, a palavra da idade.


Quem sou eu

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Sou o verbo: o estado, o tempo e a ação contínua.

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